(2/4) Contravento

A luz estava apagada, mas a casa não estava vazia. Ele sabia que eu ia ali antes de me ir embora.

A entrada da casa estava diferente. O vaso com as flores lilases tinha desaparecido e o autocolante que anunciava as estufas que tinha herdado do Pai, há meio ano, tinha sido substituído. Mas havia qualquer coisa mais. Detive-me a uns passos de distância a observá-la.

A madeira parecia pintada de fresco, mas isso não era novo. Talvez a chuva da manhã a tivesse deixado mais brilhante. Ou seria do céu que hoje a envolvia como nunca antes?

De repente, no silêncio ventoso, ouço a maçaneta da porta a girar. Atrás do vidro, entretanto, tinha-se acendido uma pequena chama. Levanto um pouco mais os olhos, e encontro os dele, sorridentes, cor de cerveja quente e mel. Tinha o capacete de viking na cabeça. Quando me consegui desprender do seu sorriso, não consegui conter o riso.

– O que é que estás a fazer com isso na cabeça? – perguntei.

– Sei que gostas da nossa mitologia, resolvi encarná-la!

– Pois, foi uma bela ideia! Fica-te a matar!

– O que te vai ficar a matar é este frio, se continuas aí especada a olhar para a casa. Estás aí há quanto tempo? Dez minutos?

Tinha passado esse tempo, realmente. Entrei.

O fogo já tinha crescido e, ao seu lado, o vaso das flores lilases. Devia ter passado ali o Inverno e só hoje reparava.

– Então, já tens tudo pronto?

Olhei para ele de lado, quase a ameaçá-lo.

– Ok, ok, já percebi. Então, tens fome? Tens ar de quem veio a pé.

Olhei para o espelho baço por cima da lareira e, realmente, estava com ar de quem tinha corrido a maratona contra o vento. Afinal, tinha caminhado 12km na montanha para ali chegar.

– É um esticão! Repor energias? – a pergunta transpirava entusiasmo.

– Depende do que tiveres ao lume – e debrucei-me sobre a panela, inspirando o vapor que começava a sair.

– Mau, é hoje que vais ser esquisita? Vais dizer que não gostas da nossa comida.

Não é não gostar. Mas estas comidas islandesas fazem-me imensa confusão. É como o sushi ou o kefir – por mais saborosas que possam ser, não consigo deixar de pensar que são alimentos crus ou fermentados.

A minha cara de desconfiada disse-lhe tudo.

– Vá, é sopa de cogumelos das estufas. Sei que gostas! – e sabia mesmo.

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Fotografia: Bernardo Conde

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